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sábado, 25 de fevereiro de 2012

O ANACRONISMO DA RUA E O CARNAVAL

É, parece que em Salvador a rua tornou-se de fato anacrônica como preconizava LeCorbuiser. E os baianos, ao menos alguns, deliram de felicidade ao testemunharem a construção de novos shoppings, espigões de luxo, prédios voltados para os segmentos médios, com apartamentos tão exíguos espacialmente que para vendê-los é necessário muitas vezes lançar mão de uma estratégia que poucos conhecem: layouts de plantas com moveis de dimensões menores que o padrão, o que dá sensação de mais espaço. O futuro morador, encantado com as facilidades (... e facilities!!!) como piscina, quadra poliesportiva, varanda gourmet, parque infantil, academia, spa e sei mais lá o que, pensa estar no paraíso e esquece que terá de dividir esses espaços com mais trocentos vizinhos das trocentas unidades das trocentas torres do empreendimento que ainda oferece segurança total, 24 horas por dia, com moderníssimo sistema de vigilância interna, portarias, etc, etc!!!! O feliz comprador do imóvel dá graças a Deus e a deus, e sente-se privilegiado por morar e criar os filhotes em plena e total segurança, em ambiente saudável. Mas, seria o mundo um conjunto de guetos de luxo ou um paraíso standard para os menos abastados?

Um dos mais eminentes pensadores da atualidade, o polonês Zygmunt Bauman, autor do livro Confiança e Medo na Cidade, tece uma apurada e inteligente reflexão acerca dos espaços públicos contemporâneos, transformados em campos de incerteza, insegurança, violência e consequentemente de segregação e intolerância. O medo figura como a principal variável dessa transformação. O medo de se misturar, ou mixofobia, em contraposição a mixofilia, ou o apelo da mistura, da diversidade. Na Europa, esse medo atinge seu ápice com atitudes xenofóbicas que protagonizou episódios cruéis na década de 90. Na nossa realidade, esse medo se recobre de preconceito, racismo, justificado pelo medo da violência.
Assim a cidade vai tomando forma, ou melhor, deixa de ter forma, para se tornar uma COISA insustentável, fragmentada, sem coração e sem alma. As ruas, ou veias e artérias da cidade, perdem sua característica de lugar de encontros e desencontros, tornam-se esclerosadas, entupidas com o fluxo ininterrupto de carros impenetráveis à luz, ao calor, aos cheiros e sons que correm lá fora e representam os perigos.
Uma intrincada rede de justificativas, razões e explicações dão margem a uma polemica sem fim quando se trata das formas de segregação e discriminação social, racial e espacial. As classes médias acreditam que a formação desses "guetos" são medidas de prevenção ante a insegurança e violência institucionalizada. Cegas, guiadas pelo desejo de ascensão e capitalização social e protegias pela ideologia da violência indiscriminada, aderem a essa configuração espacial sem identificar que a perda do contato e da interação com a diversidade e a diferença é que nos mantem vivos, alertas, reflexivos e ativos mental, intelectual e afetivamente. Que filhos serão esses, criados apartados do mundo? Que sujeitos habitarão as cidades no futuro? Que cidadãos teremos?
Não é necessário muito esforço para ver o futuro se antecipar, bater a porta e se revelar nas telas planas das TVs de LED, no IPAD, IPOD, em todas Mídias de Todos os Santos Tecnológicos e se materializar no Carnaval, a "maior festa de rua do mundo", a "mais democrática de todas as festas", afirmam as mídias de toda ordem. Não é difícil acreditar nesses jargões, que são parte da ideologia do "tudo bem meu bem!".
Sem muito esforço, um olhar mais apurado é capaz de deslindar o centenário e segregacionista modelo da casa grande-e-senzala refletido na reprodução do espaço urbano e que se repete na avenida, em diferentes instancias e dimensões. Observem. Pesquisem. A orla de Salvador é prioritariamente ocupada por brancos de segmentos médios, enquanto os negros se distribuem nas áreas centrais, mais pobres, carentes de infraestrutura e serviços. No carnaval, os blocos de "gente bonita" circulam no circuito Barra-Ondina enquanto os afoxés, blocos negros e outras agremiações se restringem ao circuito Dodô-e-Osmar. Obvio que existem as exceções! Estamos na época do "politicamente correto", não poderia ser diferente! Mas, podemos chamar isso de democracia? Diversidade? Igualdade?
A privatização do espaço público em Salvador por conta dos blocos do circuito Barra-Ondina é escandalosa!!! Ali se concentram os camarotes das elites, que recebem atenção, investimentos do poder público, usam e abusam da rua, que toma ares democráticos e perde temporariamente seu anacronismo, para amealhar milhões de reais em "7 dias de folia"!!! O que dão à cidade, em troca? Nada!!! Lembrem-se o espaço público é indistintamente público e mantido com impostos pagos por todos os cidadãos. Se beneficiar com seu uso significa, no mínimo, alguma espécie contrapartida. Por que o IPTU de alguns imóveis são mais caros do que outros? Porque estes imóveis estão localizados em áreas com melhor padrão de urbanização, consequência de obras executadas pelo poder público com dinheiro de taxas, impostos que são pagos por todos. Igualdade me sociedades tão desiguais não significa tratar todos igualmente e sim tratar desigual os desiguais, dando mais a quem tem menos. Portanto, é preciso rever esses padrões, essa permissividade. Por que essas empresas não podem assumir o compromisso de executar alguma melhoria urbana, realizar alguma ação, uma "acupuntura urbana" que agregue mais humanidade à cidade, melhorando a qualidade de vida de seus habitantes? Não fariam mais do que a obrigação!!!
A folia do Momo se finda, e a vida volta ao normal. A subversão do publico/privado de que fala DaMatta no carnaval e que aqui se revela superficial e aparente, deixa de existir como por encanto. Realmente somos um povo sem igual! Creio que não há precedentes na historia humana de artifícios tão astuciosos e sagazes para lidar tão bem com a subserviência e a submissão do que o faz-de-conta do carnaval: durante alguns dias do ano tudo é permitido, a ordem se subverte, procede-se a mistura, caem as diferenças; sufoca-se a alma, a sede de liberdade, a vontade e dissemina-se a ilusão da igualdade, da democracia; entorpece-se o espírito até que no ano seguinte tudo aconteça de novo! 

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