Há um medo generalizado nas
pessoas no que diz respeito à violência na cidade. É fato, documentado e
comprovado, que em algumas metrópoles como Salvador, a violência tem atingindo níveis
alarmantes. Durante a greve da polícia a média de homicídios diários chegou a
quase 15 mortes.
Pensar que estamos vulneráveis,
sujeitos a ação de bandidos, sequestradores e traficantes, é no mínimo assustador.
Ficar a mercê do outro, perder o controle, é uma das mais apavorantes experiências
que se pode ter. E o medo, reação natural de proteção, passa a dominar de tal
forma que se torna SENHOR das ações, atitudes e comportamentos de boa parte
da população. Ficamos, assim, a um passo da histeria quando não mergulhamos
nela de vez.
E Salvador parece ter mergulhado nessa
histeria! A população soteropolitana vem assumindo um comportamento próximo ao impulsivo,
neurótico e intempestivo, fruto do medo potencializado por outras variáveis,
como o estresse e o caos urbano generalizado. O transito é o melhor exemplo.
Esta cada dia mais difícil dirigir na cidade. É assustador ver as manobras e peripécias
realizadas por motoristas que colocam em risco os outros, além de
comprometer o transito, já tão complicado em nossa cidade. O que era exceção torna-se
regra: dar contramãos, impedir a passagem de
outros veículos; estacionar em fila dupla; parar em lugares proibidos tornou-se
lugar comum!!!! O mais estranho e apavorante é que esses sujeitos entendem que
estão com a razão e aí daquele que reclamar!!!
A ausência de autoridade, a atuação
frouxa, inócua ou inexistente dos órgãos competentes faz com que cada um tome
para si a competência de estabelecer uma ordem, resultando numa desordem total.
Não se pode, pois reagir no trânsito
por medo de represália; não se pode negar aos “flanelinhas” a gorjeta, por medo
de ter o carro depredado; não se pode reagir como cidadão porque policia também
pode ser ladrão!!! Temos a situação perfeita para que se instale um estado de pavor
que tangencia a anomia, descrita por Durkheim.
O medo é uma das mais poderosas
armas de controle, que permite disciplinar, prever e dirigir atitudes e
condutas. E ele pode ser implantado e incentivado de muitas formas. A história
está cheia de exemplos. Um dos mais recentes é representado pelos sistemas de
governo fundamentalistas que coíbem e proíbem de forma severa e dolorosa todo e
qualquer comportamento considerado transgressor e ofensivo as suas leis e costumes
que pode ser punido até com a morte.
Outras vezes, entretanto, esses
regimes são tão mais sutis e poderosos que se expandem, subjazem e submetem as relações
sociais, a ponto de transformá-las em situação de risco. Nesse ponto, permanecemos
inertes, não reagimos, não protestamos.
Simplesmente aguardamos ou nos
tornamos indiferentes à realidade, criando um mundo próprio, ilusório, repleto
de mecanismos e estratégias que permitam a continuidade da vida, a reprodução social,
o dia-a-dia. Movidos e mobilizados pelo medo, os comportamentos devem garantir segurança,
já que a cidade, os espaços públicos, a rua, são os lugares da incerteza.
Fechados sobre si mesmos,
ensimesmados e acuados os sujeitos apelam para subterfúgios como condomínios fechados,
shoppings centers, carros protegidos por películas de segurança, restrição territorial
e compressão das relações sociais, lugares onde se pensa encontrar segurança.
Dessa forma seguimos, pensando
estar protegidos, resguardados e salvos da insegurança que acomete a cidade.
Ledo engano!!! Continuamos oprimidos pelo medo, pelo pavor de ser a próxima vítima
a alimentar as estatísticas.
Onde nasce a violência urbana afinal?
Como é gerada? Sendo a violência um fator inerente a condição humana, seria uma
expressão limitada aos mais rudes, menos educados, mais pobres, o que a
tornaria uma marca de diferenciação de seres humanos bons e maus, assim como a
inveja, característica de pessoas com baixo potencial humano, segundo o
contexto cristão.
Mas a violência é filha da
desigualdade e da discriminação. É acalentada no seio da ignorância não de quem
a reproduz, mas daqueles que a provocam e que em ultima instancia mostram-se
mais violentos do que os violentos. Se a violência é precedida pela raiva, se
alimenta da angustia, do sentimento de exclusão e rejeição, a crueldade
é filha da injustiça e do prazer impiedoso.
A cidade reproduz essa violência
no seu espaço segregado, nas diferenças visíveis entre os bairros nobres e
elegantes em contraposição as carências apresentadas por locais mais populares
ou nos assentamentos precários, destituídos de toda e qualquer serviço e infraestrutura.
A face da crueldade, marcada na
cidade é revelada nos sujeitos anônimos que habitam as ruas, nas crianças espalhadas
nos sinais, nos catadores de lixo, nos carros, na noite alegre que transborda
dos bares e restaurantes, no sono reconfortante e no choro dos desesperados.
Há uma cidade desconhecida, que não
é vista e se esconde por trás dos prédios modernos, das praças arborizadas, de
avenidas bem cuidadas e da qual dependemos para sobreviver. É a cidade invisível,
habitada por garis, domésticas, garçons, cordeiros (os mais invisíveis de
todos!), enfim, por todos aqueles que silenciosamente trabalham para sustentar nosso
estilo de vida. Imaginem a vida sem essas pessoas!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário