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quinta-feira, 22 de março de 2012

A cidade invisivel


Há um medo generalizado nas pessoas no que diz respeito à violência na cidade. É fato, documentado e comprovado, que em algumas metrópoles como Salvador, a violência tem atingindo níveis alarmantes. Durante a greve da polícia a média de homicídios diários chegou a quase 15 mortes.

Pensar que estamos vulneráveis, sujeitos a ação de bandidos, sequestradores e traficantes, é no mínimo assustador. Ficar a mercê do outro, perder o controle, é uma das mais apavorantes experiências que se pode ter. E o medo, reação natural de proteção, passa a dominar de tal forma que se torna SENHOR das ações, atitudes e comportamentos de boa parte da população. Ficamos, assim, a um passo da histeria quando não mergulhamos nela de vez.
E Salvador parece ter mergulhado nessa histeria! A população soteropolitana vem assumindo um comportamento próximo ao impulsivo, neurótico e intempestivo, fruto do medo potencializado por outras variáveis, como o estresse e o caos urbano generalizado. O transito é o melhor exemplo. Esta cada dia mais difícil dirigir na cidade. É assustador ver as manobras e peripécias realizadas por motoristas que colocam em risco os outros, além de comprometer o transito, já tão complicado em nossa cidade. O que era exceção torna-se regra: dar contramãos, impedir a passagem de outros veículos; estacionar em fila dupla; parar em lugares proibidos tornou-se lugar comum!!!! O mais estranho e apavorante é que esses sujeitos entendem que estão com a razão e aí daquele que reclamar!!!  
A ausência de autoridade, a atuação frouxa, inócua ou inexistente dos órgãos competentes faz com que cada um tome para si a competência de estabelecer uma ordem, resultando numa desordem total.  
Não se pode, pois reagir no trânsito por medo de represália; não se pode negar aos “flanelinhas” a gorjeta, por medo de ter o carro depredado; não se pode reagir como cidadão porque policia também pode ser ladrão!!! Temos a situação perfeita para que se instale um estado de pavor que tangencia a anomia, descrita por Durkheim.
O medo é uma das mais poderosas armas de controle, que permite disciplinar, prever e dirigir atitudes e condutas. E ele pode ser implantado e incentivado de muitas formas. A história está cheia de exemplos. Um dos mais recentes é representado pelos sistemas de governo fundamentalistas que coíbem e proíbem de forma severa e dolorosa todo e qualquer comportamento considerado transgressor e ofensivo as suas leis e costumes que pode ser punido até com a morte.
Outras vezes, entretanto, esses regimes são tão mais sutis e poderosos que se expandem, subjazem e submetem as relações sociais, a ponto de transformá-las em situação de risco. Nesse ponto, permanecemos inertes, não reagimos, não protestamos.
Simplesmente aguardamos ou nos tornamos indiferentes à realidade, criando um mundo próprio, ilusório, repleto de mecanismos e estratégias que permitam a continuidade da vida, a reprodução social, o dia-a-dia. Movidos e mobilizados pelo medo, os comportamentos devem garantir segurança, já que a cidade, os espaços públicos, a rua, são os lugares da incerteza.
Fechados sobre si mesmos, ensimesmados e acuados os sujeitos apelam para subterfúgios como condomínios fechados, shoppings centers, carros protegidos por películas de segurança, restrição territorial e compressão das relações sociais, lugares onde se pensa encontrar segurança.
Dessa forma seguimos, pensando estar protegidos, resguardados e salvos da insegurança que acomete a cidade. Ledo engano!!! Continuamos oprimidos pelo medo, pelo pavor de ser a próxima vítima a alimentar as estatísticas.
Onde nasce a violência urbana afinal? Como é gerada? Sendo a violência um fator inerente a condição humana, seria uma expressão limitada aos mais rudes, menos educados, mais pobres, o que a tornaria uma marca de diferenciação de seres humanos bons e maus, assim como a inveja, característica de pessoas com baixo potencial humano, segundo o contexto cristão.
Mas a violência é filha da desigualdade e da discriminação. É acalentada no seio da ignorância não de quem a reproduz, mas daqueles que a provocam e que em ultima instancia mostram-se mais violentos do que os violentos. Se a violência é precedida pela raiva, se alimenta da angustia, do sentimento de exclusão e rejeição, a crueldade é filha da injustiça e do prazer impiedoso.
A cidade reproduz essa violência no seu espaço segregado, nas diferenças visíveis entre os bairros nobres e elegantes em contraposição as carências apresentadas por locais mais populares ou nos assentamentos precários, destituídos de toda e qualquer serviço e infraestrutura.
A face da crueldade, marcada na cidade é revelada nos sujeitos anônimos que habitam as ruas, nas crianças espalhadas nos sinais, nos catadores de lixo, nos carros, na noite alegre que transborda dos bares e restaurantes, no sono reconfortante e no choro dos desesperados.  
Há uma cidade desconhecida, que não é vista e se esconde por trás dos prédios modernos, das praças arborizadas, de avenidas bem cuidadas e da qual dependemos para sobreviver. É a cidade invisível, habitada por garis, domésticas, garçons, cordeiros (os mais invisíveis de todos!), enfim, por todos aqueles que silenciosamente trabalham para sustentar nosso estilo de vida. Imaginem a vida sem essas pessoas!!!  

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